Viajante!

Apenas encontrará o que procura nos meus domínios caso esteja ligado com o que mais desconhece sobre si.



terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Relaxe.

Independente do que o trouxe aqui, esqueça.
Olhe ao redor.
Procure um lugar que você está acostumado a sentar. Um sofá, uma cadeira, uma poltrona.
Sente-se. Respire, é sempre bom respirar, lembre-se de como é fantástico esse mecanismo. Respire lenta e profundamente. Sinta a força dos seus pulmões. Uma boa respiração causa bem estar.
Levante-se. Vá até a porta que da para a rua.
Abra a porta com a sua mão inábil. Alongue-se. Sinta cada parte do seu corpo, contraindo e alongando, ossos, músculos, tudo em perfeita harmonia. Saia calmamente. Pense na rota que você sempre toma geralmente. Vá para o lado oposto. Ande passo a passo. Passos não tão longos e nem tão curtos. Preste atenção a tudo que passa, casas, carros, pessoas.
Pense em um lugar que lhe faz bem, não tão longe, não tão perto de onde você está. Siga para este lugar. Não use o caminho habitual, pegue outra rota. Não se preocupe em chegar, isso é o de menos. Agora você não tem horário, datas ou compromissos, ou melhor, compromissos apenas com você.
Pare. Procure uma árvore, se não tiver uma, procure uma planta. Vá até ela, olhe bem para ela, veja como ela é. Toque-a. Sinta-a. Veja suas folhas, sua estrutura. Pense em uma coisa boa. Pense em passar esses bons pensamentos para ela. Descubra algo novo nela, algo que você ainda não viu. Caso não encontre, invente. Dê um nome a ela, um nome que você goste. Não tenha medo, é apenas você e você mesmo no seu momento.
Despesa - se dela e recomece a andar. Quando alguém vier em sua direção cumprimente - a, um olá talvez. A próxima, além do cumprimento, sorria. Continue olhando tudo, tente procurar coisas que nunca viu, detalhes, casas que nunca percebeu, outras plantas, carros, tudo.
Olhe para o céu. Olhe a primeira nuvem. Pense no que ela parece. Ria se possível da coisa mais boba que vier em sua mente, não a reprima.
Pare. Talvez você tenha chegado ao local, talvez não. Pense em tudo que viu agora e em como esse passeio lhe fez bem. Olhe onde você está, seja ele qual for, dê um nome a esse lugar. É aqui que você chegou depois de passar por caminhos que normalmente não passa, fazendo coisas que normalmente não faz e pensando em coisas que normalmente não pensa. Aonde você iria não importa mais. Nem sempre os objetivos têm que ser concluídos. Perceba que esse lugar não é onde queria ter chegado, mas é aonde você chegou.
Agradeça por ter chegado ali. Melhor. Agradeça por tudo que você tem. Por poder andar, falar, pensar, sonhar, respirar. Isso mesmo. Lembre-se de que você começou essa caminhada respirando e note que foi assim que começou a sua jornada até aqui.
Retorne e continue o seu dia com o mesmo pensamento.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O menino e a flor

O Impossível

Se eu pudesse guardar-a-chuva
Guardaria só para mim
Pediria numa mensagem
Uma prece sem ter fim
Que ela una dois amantes
Que não podem se encontrar
É claro que eu estou falando
Do céu e do mar.

Era uma vez um menino diferente de todas as outras crianças, ele havia nascido com um coração de pedra. Os pais desse menino se assustaram com o problema e procuraram a cura em toda parte, quando ele fez oito anos e todos os médicos haviam ditos que a cura não existia, eles o levaram para um lugarejo afastado de tudo, em um interior daqueles, com florestas, rios e frutas no pé, achando assim que seria melhor para o menino, que não podia conviver com outras pessoas. Logo quando chegou a esse lugar foi notado pela floresta ali, plantas e animais o fitaram e, muito curiosos passaram a segui-lo por toda a parte. Um dia, o menino começou a andar pela floresta, andou, andou, andou até chegar a um lugar que ainda não tinha ido, lá encontrou algo inesperado, uma flor, mais não era uma flor qualquer dessas que ele já encontrou pela floresta, ela era muito bonita, tinha uma coloração fascinante, para qualquer um da cidade seria uma maravilha ver aquela flor, mas para o menino, parecia apenas uma flor, como outra qualquer, porém, o menino fez uma coisa inesperada, que a própria floresta se espantou, ele sentou-se de frente para a flor e ficou olhando para a sua direção, ficou ali por horas e horas, e quando anoiteceu ele foi embora. No outro dia ele estava lá novamente, sentado olhando para a flor, a noticia se espalhou pela floresta e logo todos foram ver o garoto que tinha um coração de pedra contemplar a flor. E essa cena peculiar se repetiu por vários dias, até que um dia, quando o menino chegou ao local que morava a pequenina flor, ela não estava mais lá, e para o novo espanto da floresta, ele se sentou no mesmo lugar e com a mesma expressão começou a olhar para a direção onde estava a flor, e olhando pela perspectiva do menino, via-se não a flor que estava ali, mais sim, mais atrás uma suja, dura e fria pedra.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Era uma vez... Um anjo.

Ao longe, bem distante, ele ouvia algo que lhe chamava, convocava-o para um mundo diferente do que estava vivendo. Se lhe dessem a chance de escolher provavelmente escolheria o que está vivendo agora, mas alguma coisa muito forte dizia que era hora de retornar. Sinos tocavam em sua cabeça e como num mergulho em águas rasas ele despertou ao som do seu despertador.
Confuso pela dormência do despertar, ainda não entendia por que o seu relógio, o único que possuía e que já estava velho e acabado, lhe acordara enquanto o céu ainda estava escuro. Eram cinco da manhã, levantou o tronco e tateando os óculos lembrou-se que estava vivo. Hoje era um dia especial, tinha prova a fazer, por isso estava acordando tão cedo.
Levantou-se por completo. De toalha nos ombros e descendo as escadas começa o que mais parece um ritual, coloca umas músicas das suas prediletas, toma banho, café, enfim, coisa de uma hora e já estava fazendo cera no computador. Seis e dez decide partir, confere as canetas e lápis, barras de cereais, água, carteira e as chaves, por fim, após ter novamente conferido se tudo estava certo, partiu.
Tinha as instruções da mãe, não tinha como não acertar o local. Pensava em coisas boas, ria sozinho. Achava-se meio maluco por isso, mas quando via as outras pessoas, cada uma com a sua rotina, ficava tranqüilo, “o mundo que é louco”, pensava ele.
Após uma bela subida, onde caminhava sozinho, é domingo e a cidade ainda nem havia acordado. Tentando prestar atenção nas coisas ao seu redor muitas vezes se perdia em pensamentos fantasiosos, qualquer bobagem o divertia, notou que em uma rua as casas eram de arquitetura do século passado, ou seriam de outro século? O importante é que sabia reconhecer, gostava da história e ia imaginando aquele lugar em tempos atrás.
Depois da informação certa que pegara com um senhor que varria as ruas, vencera a timidez naquele momento, era caso de extrema importância, chegou ao local da prova. Ali na porta muitos candidatos já estavam à espera da abertura dos portões. Fatigado da caminhada procurou sentar, viu que muitos sentavam no passeio, pessoas de caras ansiosas, poucos riam, todos preocupados em passar. Ele lembrou de um trecho de uma música do poeta Renato. “Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão, ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão. Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão. Você tem que passar no vestibular”.
Sorriu de si mesmo, tinha consciência do que era aquilo, contudo sabia que devia jogar aquele jogo.
Sentado sobre uma sombra estratégica ficou observando as pessoas ao seu redor, umas solitárias como ele, concentradas, perdidas em seus próprios pensamentos, outras reunidas em conversas sobre a futura avaliação. Ele estava começando a se chatear de toda aquela masturbação mental, se ao menos fosse fazer a prova no mesmo local dos amigos de curso poderiam estar conversando e rindo de outras coisas, ele os induziria a isso. Decidiu então olhar os vendedores, uns vendendo canetas mágicas, outros águas milagrosas, “bebeu passou!” gritava um homem atarracado e cabeludo perto da entrada. Aquilo era bem mais divertido de se analisar, porém a sua alegria durou pouco, atrás dele havia parado um carro, um garoto esperando e a mãe enchendo-lhe com precauções e cuidados, parecia mesmo que ela iria fazer a prova. Cansado da verborréia da mulher levantou e foi sentar em outro lugar, aquela altura o lugar já estava cheio e uma vaga na sombra estava disputadíssima, foi para o mais longe que pode da multidão. Ficou em pé, seu desejo agora era que os portões se abrissem e aquele povo todo entrasse, talvez lá tivesse um pouco de paz.
Notou um homem que estava filmando a multidão, pela credencial era da televisão local, ficou imaginando como seriam as imagens que passariam no jornal do meio dia. Voltou a se divertir, a rir sozinho.
Em meio ao povo e passando por ele, viu uma garota que caminhava em direção aos portões e não teve dificuldade de se lembrar.

(Imagem com muita luz, um pouco sem foco, tudo muito etéreo – flash back).
Estava no curso em um dia de janeiro - como o vestibular havia adiado o dia da prova os cursos promoveram essas aulas extras, revisões – rindo como sempre de alguma piada boba ao lado de um amigo. O professor havia entrado na sala e enquanto isso ele pegava o seu material, foi quando ergueu a cabeça que viu uma das coisas mais lindas que já vira. Cabelos quase negros, olhos cor de avelã, alva como a lua, estatura mediana e nariz semi-empinado, uma graça, linda foi como ele a definiu, pensou em um anjo e imaginou que se existissem seriam assim. Foi acordado do seu devaneio pelo comentário do amigo que também a observava. Hora ou outra na aula tirava um tempo para contemplá-la, mas quando surgia o perigo de que seu olhar o denuncia-se, retirava-o rapidamente.
Outro dia no curso estava concentrado na aula, de vez em quando espiava de rabo de olho, notou que tinha também um belo sorriso, algo displicente e infantil. No meio de uma aula ela saiu da sala e quando voltou, ao sentar meteu o braço desastradamente no estojo fazendo pular lápis e caneta para todo lado. Foi incontrolável, ele riu gostosamente, não queria rir, ela podia achá-lo indelicado ou talvez até rude, mas foi incontrolável, aquele ato de desastres era digno dos que ele cometia. Enquanto estava rindo esperou que ela o olhasse com desaprovação, porém ela também riu e ficou logo rubra com o desastre. Era como se bolhas pipocassem diante dos seus olhos assim como acontecia nos desenhos animados.
(Imagem normal – Fim do flash back).
Ela havia encontrado uma amiga, estavam se cumprimentando. Ele logo ficou animado, uma coincidência mais do que válida, mesmo que não fosse falar com ela, se conhecia e sabia que a sua timidez não o deixaria fazer isso, contudo, estava contente em olhar, achou estranho ela estar ali, imaginou que ela iria fazer alguma área biológica ou até exatas, mas pensou que um colégio tão grande teria espaço para provas de outras áreas.
Ficou observando, já havia esquecido das pessoas impacientes a sua volta, por vezes tinha a impressão que ela o olhara e quando isso acontecia retirava rapidamente o olhar, pensava então que devia ser coisa da sua cabeça, ela não estaria olhando pra ele, “não mesmo” foi o que pensou.
Os portões finalmente se abriram, aquele mundo de gente se adiantou. Normalmente ficaria ali fora evitando a multidão, não fazia diferença se seria o primeiro ou o ultimo a entrar, contudo adiantou-se, nem ele mesmo entendeu até que por um engarrafamento das pessoas ficou emparelhado com ela, rapidamente se concentrou na sua frente e evitou o contato visual, a timidez que há muito era pior e que hoje era apenas branda já lhe fez passar por situações parecidas. Era sempre assim, não entendia por que fazia isso, mas simplesmente o fazia. As pessoas começaram a andar e eles chegaram ao lado de dentro do lugar.
O colégio parecia grande, logo a frente um caminho que dava num saguão era ladeado de grama com duas escadas laterais, cada uma para uma direção, a frente seguia-se o corredor para outras partes do colégio. Era bonito apesar de acabado, pensou que no passado, no tempo da sua mãe, devia ser lindo, estudar num colégio grande daqueles teria sido muito bom. Ele tentou se orientar pelas indicações numerais das salas, estava meio distraído com tudo que via e viu com tristeza ela subir as escadas do lado oposto com a amiga. Ele andava tranquilamente e via o quanto era grande lugar. Leu numa sala ao longe o número três mil e seis, esquecera que mesmo de óculos tinha uma péssima visão e seguiu por um corredor para aquela direção. Viu só então que a sua sala não era por ali, onde vira três mil e seis na verdade era três mil e vinte seis. Batendo na cabeça e chamando-se de lerdo retornou.
Para sua surpresa, ela vinha do outro lado, para o lado oposto, ela e a amiga conversando muito risonhas. Foi impossível desviar o olhar dessa vez, mas continuou sem titubear. Finalmente encontrou a sala, três mil e oito. Uma fiscal estava posta na cadeira ao lado da porta, olhou para dentro da sala e viu já algumas pessoas sentadas, perguntou para fiscal que horas eram, “sete e vinte cinco”, anunciou. Ele tinha tempo, a prova só começaria ás oito horas, não era doido de entrar agora e compartilhar aquela tensão com os que estavam lá dentro, lá fora era agradável, um bom vento, um céu bonito e azul, poucas nuvens. Decidiu ficar ali esperando o horário.
Num piscar de olhos, como num passe de mágica ela vinha surgindo ainda com a amiga, pararam em frente à sala três mil e oito, despediram-se aos beijos e desejos de boa sorte. Enquanto isso ele pensava que ela teria vindo trazer a amiga para sua sala, não era possível que o que estava pensando fosse verdade. Como se o universo atendesse o seu pedido mais interno, ela ficara e a amiga rumava para a sua respectiva sala. Nesse momento não sabia bem o que fazer, talvez não fizesse nada, era covarde demais para iniciar uma conversa, nesse momento ela conferia o seu nome na lista perto da porta, precisava olhar para cima para melhor ver os nomes, ele ria internamente, era engraçado para ele ver todo aquele esforço. Ela olhou a sala e logo após veio em sua direção, de uma maneira rápida como se tivesse medo de que no meio do gesto desistisse da ação disse:
“Você é do cursinho né? Lembra de mim?”
Ele confirmou. Pode nesse momento olhar diretamente em seus olhos e achou injusto compará-los a avelãs apenas, eram envernizados, o mais brilhante castanho que já vira.
Então desatinaram a conversar. Ele mais tranqüilo agora. Ela animada por encontrar um papo, parecia ansiosa e ele falava algumas palavras tranqüilizantes. Ele ainda não acreditava em tal coincidência, mas elas não pararam por ai. Falavam sobre vestibular, sobre o que iam fazer e descobriram que iriam concorrer ao mesmo curso, até a mesma ramificação do curso. Comentaram sobre o outro vestibular que passou e descobriram mais uma vez que eram concorrentes, mas infelizmente ela não passara da primeira fase, nessa hora ele desejou não ter entrado nesse assunto, queria que ela tivesse passado, assim existiria a chance de cursarem a mesma faculdade. Ele disse meio que sem jeito que havia passado da primeira fase, ela o elogiou, ele tentou ser o mais simplório possível e ela graciosamente tornou a falar dizendo que havia passado em um outro vestibular, mas que era longe e muito tarde para a volta, ele elogiou e concordou. Mudaram o rumo da conversa falando sobre estratégias de prova, ele dava umas dicas, ela concordava achando aquilo tudo muito instrutivo. Ela perguntou o seu nome, ele o disse e fez um breve sinal como se perguntasse mudamente o dela, porém ela não entendera o sinal e continuou a falar.
E foi assim que o tempo passara, uma das fiscais vinha advertindo os alunos para que entrassem nas salas. Entraram rindo de uma última piada boba dele, podia ser tímido, mas quando lhe davam a chance a quem dizia que era super engraçado mesmo que não achasse. Na sala o ar era só tensão, lembrava um campo de concentração, todos sentados e calados, esperando a prova. Ele sentou na segunda cadeira da segunda fileira depois da porta. Ela sentou uma fileira depois dele e uma cadeira atrás. O calor se fazia presente a cada instante, ele contemplou os ventiladores parados no teto, temeu que não estivessem funcionando, olhou para traz e há viu com uma expressão tensa e olhou pra ele fazendo mímicas, queria se comunicar, ele fez uma graça e aconselhou que respirasse, porém não sabia se ele havia entendido. Ela lhe ofereceu uma bala, ele não aceitou, tinha balas no bolso, mas depois pensou que devia ter aceitado, era tarde.
A prova estava para começar e eles hora ou outra se comunicavam, riam de algo ou faziam comentários mudos. Ele ouviu a fiscal falar o nome dela quando lhe entregava o caderno de resposta, riu de si mesmo, até o nome achara bonito, simples e bonito.
Finalmente a prova foi entregue. O tempo ia passando e os sons que podia se ouvir na sala eram o dos ventiladores, dos lápis riscando os papeis. Entre idas ao banheiro ele aproveitava a volta para olhar para ela, mas sem perder a concentração na prova. Aos poucos os participantes iam saindo, uma a um, e quando ele terminou, faltando coisa de vinte minutos para o termino, reuniu o material, assinou onde devia e saiu. Antes se virou e sorriu pra ela que o olhava.
Esperando no lado de fora num ponto estratégico, não o ônibus, mas sim ela. Olhava atentamente para o portão na esperança dela sair. O ponto estava apinhado de gente, muitas comentando sobre a prova feita, mas isso não estava o incomodando agora, estava na expectativa. Logo ela saiu e veio andando como se pensasse em algo, rosto meio sério, ele pensou em ir até ela, porém as suas pernas não se mexeram. Ela o viu e veio em sua direção, ele sorriu, não conseguia conter o riso, talvez simplesmente não o quisesse. Fizeram breves comentários sobre a prova, logo apareceu à amiga dela. Conversaram e num certo momento ela retirou da mochila um biscoito desses que parecem uma barra de cereal, abriu meio sem jeito a embalagem, então o biscoito caiu no chão. Todos riam, ele, ela e a amiga. Ela lembrou do episódio do estojo e ele o contou bem ao seu jeito e riram mais um bocado.
O transporte da amiga havia chegado, ela despediu-se de todos e partiu. Eles voltaram a conversar e quando o silêncio reinava, ele ou ela puxava um assunto. O ônibus não tardou a chegar, estava socado e quando subiram não havia mais lugar para sentar. Ele encostou-se a uma das laterais. Ela encontrou um conhecido que logo lhe cedeu o lugar, relutou um pouco, mas logo aceitou o lugar. O coletivo ia seguindo e a sensação de que aquilo estava acabando entrava na cabeça dele, sabia que daqui a instantes iria soltar e ela seguir. Não conversavam muito por que o ônibus estava muito cheio, mas hora ou outra ela falava algo, fazia uma piada e ele respondia aos comentários, ele evitava falar por que tinha que se segurar bem onde estava. Perto de onde soltaria, ela perguntou onde ele soltaria e ele respondeu que quando ele dissesse “tchau, até amanhã” saberia onde ele iria soltar, riam e logo chegou o seu ponto, despediu-se e foi abrindo caminho entre o povo aglomerado.Saiu e respirou profundamente, viu o ônibus seguir, ficou meio tristonho, mas logo se animou com uma idéia, amanhã viria ela novamente, nem que fosse mais uma vez.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Crônica 1 Parte 2

Fácil é apostar;
Difícil é saber perder;
Fácil é ter;
Difícil é manter;
Fácil é concluir um objetivo;
Difícil é se contentar com ele;
Fácil é escrever contos;
Difícil é contar o que sente.

24 de Dezembro de 2005.
É uma bela manhã de sábado e o nosso personagem está deitado numa cama de casal, contorcido e quase se enforcando com o lençol. O quarto, pedaço do céu é como o rapaz apelida o lugar, trata-se de uma suíte na parte de cima da casa dela, um banheiro e dois quartos e eles dormiam ali com certa freqüência. Esse “pedaço do céu” estava bem bagunçado como de costume, roupas pra todos os lados, alguns porta-retratos empoeirados, uma marca registrada da nossa amiga Alice. Disperso num intenso sono, Icaro recebe uma visita sorrateira, a mãe de Alice entra no quarto com certo cuidado para não acordá-lo. Entra, limpa o local, enquanto isso ele começa a acordar, mas vendo que tem mais alguém ali finge continuar dormindo.
O dia vai passando e é hora de visitar a família dele, afinal é natal e as famílias de certa forma exigem esse comportamento. E eles vão, ela come as diversas guloseimas da mãe dele, ela realmente gosta aquelas coisas, pães, bolos e tortas, ouvi uma ou duas receitas, não sei se para agradá-lo depois com um bom prato ou apenas para saciar a sua gula. Ele assistindo televisão ri dos acessos de vergonha dela, a maneira dele de deixar ela à vontade é expondo essa vergonha que ele considerava desnecessária e fazia isso muito bem, isso o animava imensamente.
Depois de uma tarde de namoricos, declarações e troca de carinhos eles retornam para o seu pedaço de céu. Isso leitor é de alta relevância, note que ele sentia-se mais à vontade na casa dela, nesse “pedaço de céu” do que na sua própria casa.
Voltando aos acontecimentos, eles já estão na casa dela quando o filho de Alice, 5 anos e, segundo Icaro, a cara do pai, explode em acessos querendo jogar com ele que vai de bom grado. Veja que o fato de achar que o filho era parecido com o pai não atrapalhava a sua relação com o garoto, ele apenas tomava cuidado para manter uma distancia por conta do seu extremo ciúme, o que não conseguia muitas vezes, tornando-se uma referencia para o garoto, ele gostava do namorado da mãe.
A tarde vai passando e os preparativos para o natal começam na casa. Na prática Alice ajudava a mãe que ajudava as tias, Icaro distraia o garoto e recebia as visitas, algumas delas são amigas de Alice.
A noite vai chegando e a ceia começa, após ter passado em casa para falar com a mãe e outras pessoas da família, Icaro está na casa de Alice, comendo, sendo servido por ela como se serve a uma criança mimada. Ela sabe do que ele gosta. As coxas do peru, um para ele, outro para o filho. Talvez ela não soubesse demonstrar isso perfeitamente, mas numa análise mais crítica podemos afirmar que ela sentia prazer naquilo, prazer em servi-lo.
Comida, bebida, até o vinho era do que ele mais gostava, estavam ele, ela e uma amiga na sala conversando sobre vários assuntos. Tudo tão calmo.
O tempo foi passando e ela não estava se sentindo tão bem, algo relacionado a comer demais e vinho em excesso. Foi deitar no pedaço do céu. Ele ficou na sala conversando com a amiga quando aparecem na porta alguns dos seus amigos. Eles o chamam para sair, a noite era uma criança e fazia um bom tempo que ele não saia com os amigos, recluso dessa vida que estava formando.
É nesse momento leitores que lhes convido para fazer uma análise. Notem que ele dedicou todo o seu dia para ela, não forçosamente, mas de bom grado, gostava daquilo. Mesmo não sabendo, até esse ponto, o desenrolar da história será que poderíamos julgar mal o nosso personagem por ir curtir o fim de noite com os amigos? Bem, fica essa indagação.
Um dos amigos o chama, outro fala sobre coisas boas que iram fazer, outro incentiva, está tudo certo, ela está dormindo e tudo mais, porém ele diz não, um dos amigos se sobre-salta dizendo que Icaro não vai por causa de Alice e sim por que simplesmente não quer, Icaro concorda com o amigo, mas faz o comentário que era pelo fato dela está passando mal. Após alguma insistência eles partem, sem ele.
Subindo as escadas para a suíte, pensando no ocorrido ele titubeia por um momento com a decisão tomada, algo como arrependimento. Ele entra no quarto e a ver deitada na cama, coberta não totalmente, quase nua, linda. É então a faísca de arrependimento desmorona diante dos seus olhos e ele tem a certeza que fez a coisa certa. Alice meio grogue apenas aceita o abraço acolhedor. Para Icaro uma das melhores noites de sua vida. Caso estejam esperando ver algo mais que possa ter acontecido esta noite, caros leitores podem deixar essa crônica de lado. Existem coisas que é melhor fazer do que apenas bisbilhotar, por favor, deixe-me fechar a porta.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Crônica 1 Parte 1

Essa é a crônica de um rapaz que um dia teve tudo.


Antes que possa continuar com a história vale a pena fazer certas ressalvas que acredito, ira fazer com que você, caro leitor, possa entender um pouco da personalidade das personagens. Quero pedir que não façam julgamentos precipitados acerca das suas atitudes.
Nesse momento vocês devem estar se indagando sobre como este rapaz da história pode perder tudo, mas peço que se lembrem que muitas vezes em nossas vidas não notamos que simplesmente temos tudo o que precisamos para viver, estamos sempre em busca de algo mais, projetando situações que nunca vivenciamos, é como ficar esperando uma correspondência de alguém que você não conhece sobre um assunto que você desconhece.
Terminando esse meu monologo pré-cronical, perdoem o neologismo, quero apenas falar de algo um tanto quanto obvio. Já devem ter notado que se alguém perdeu algo é por que já o tinha, ninguém perde o que não tem, parece até bobo da minha parte, porém existem pessoas que confundem esse perder com o não ter algo que não as pertenciam. O entendimento dessa linha de pensamento ajudará e muito a vocês leitores da crônica que por fim será contada.

18 de Julho de 2005.
Estamos numa casa que fica do outro lado do mundo. Sei o que estão pensando, mas nossa personagem definiu o lugar assim, sem endereços ou números, apenas do outro lado do mundo. É uma tarde muito quente e abafada, provavelmente umas 15h, uma típica segunda-feira e da porta da rua via-se um grande corredor, meio escuro e assombrado, silencioso e acomodado, os únicos sons que existiam eram os da rua, crianças, alguns carros e pessoas a conversar. Passando pela porta e adentrando o corredor vemos na primeira porta um quarto, muito desorganizado, bagunça pra todo lado, roupas espalhadas no chão e com o mesmo aspecto do corredor. Numa cama de casal está ele, o nosso rapaz, deitado de barriga para cima, bem à vontade, olhando os diversos giros do ventilador de teto que fazia um estridente barulho quase inaudível. Ao lado dele, deitada para outro lado, ela contemplando um computador ligado, disfarçando uma visível inquietude.
Uma vez dentro do quarto vocês podem agora notar, como qualquer um que entrasse no recinto notaria, que existe um clima pesado, algo mórbido, fora do normal, o dia, o ar pesado ao trago mais forte, o calor e a tensão vinda das nossas personagens.
Com certo receio de ser mal educado deixe-me apresentá-los, mas serei sucinto na minha discrição, pois o fenótipo das personagens pouco importa. Ele, Icaro, 18 anos, mal humorado quando acha que deve ser, bem humorado quando lhe dão a chance de ser. Ela, Alice, 22 anos, sonhadora e apaixonada, inexperiente com a vida que lhe apresenta, mas sempre batalha pelo que quer, mesmo que vá gastar tudo aquilo que conseguiu em 2 ou 3 dias, raramente fica desempregada.
Bom, até aqui já puderam notar que há algo de muito estranho no quarto, um casal de namorados em uma tarde quente de segunda-feira com a casa completamente vazia estão por vários minutos e segundos assim, simplesmente deitados na casa com caras entediadas, afastados e calados por tanto tempo, realmente muito estranho, mas o cenário é esse e quando tudo parece confuso, alguém do lado de fora coloca uma música, você sempre será de Marjori Estiano, e o silêncio é quebrado, não pela música, mas por um muxoxo, ela se vira para olhar para ele com lágrimas nos olhos, ele por sua vez continua contemplando o ventilador como se nada estivesse acontecendo no mundo, é o seu jeito de encarar as coisas. Passado mais alguns minutos e sucessivas repetições da mesma música, ela começa a encostar-se a ele procurando um pouco de carinho, ele pensa o porquê dela não agir como as pessoas que estão brigadas agem normalmente, é como ele pensa e antes dele tomar qualquer atitude mais um som invade o quarto, o do MSN, e ambos olham e na plaquinha diz assim: “feliz aniversário, Alice, felicidades :D”.
Aproveitando a cena ele se levanta com o pretexto de beber água, ela vai responder a mensagem.
Pois bem, caro leitor, entendo o seu espanto, pois já está concluindo coisas que o faz tirar certas conclusões como: Icaro e Alice são namorados. Estamos no dia do aniversário dela e pelo que parece estão brigados.
Independente das conclusões que possam tomar agora peço que sigam o meu conselho dado no início desse texto e esperem até o final dessa história, pois ai sim serão capazes de julgar, apesar de não precisarem fazer isso.
Ele anda arrastando os pés entrando na copa e por fim a cosinha. A água, o seu pretexto, desce-lhe a garganta com algum custo, apesar do calor ele não estava realmente com sede. Antes de voltar ele contempla um pouco o céu e depois um grande quadro posto na parede da copa, uma bela peça que expressa a linhagem católica familiar de Alice. Notem que apesar do gosto pela arte, sempre gastava alguns segundos quando podia para analisá-la, não estava ali apenas para contemplar, queria mesmo fazer cera, sabia o que encontraria na volta, entendia como as pessoas agiam principalmente ela.
Dando passos mais lentos do que os da ida ele retorna ao quarto e, lançando-se na cama, nota que ela está aos risos com alguém que lhe deseja feliz aniversário. Aquilo age como um vulcão dentro dele, como ela podia estar aos risos se há minutos, talvez segundos, estava as lágrimas, era como se toda raiva do mundo percorresse pelo seu corpo e enquanto todo esse sentimento acontecia, nada e nem uma casca de emoção externava dele se não a mesma expressão fria como se nada no mundo tivesse alguma importância perante aos seus olhos desinteressados.