Viajante!

Apenas encontrará o que procura nos meus domínios caso esteja ligado com o que mais desconhece sobre si.



quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O Nosso Lado da Força


Sempre haverá uma guerra
Em nossos corações
Enquanto levarmos no peito
Os nossos próprios motivos
As nossas próprias razões
Não concordamos em tudo
E discutimos em vão
O campo de batalha é o lugar da solidão
Divididos prosseguimos
Sem qualquer conciliação
Esperando alguma sorte
Um conflito, uma explosão
Uma guerra bem travada
Que nos mostre com atenção
Quem somos nós sem essa divisão?

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Minha Poesia



Era sol que me faltava
O ar que não soprava
A luz que se escondia
De um lado a minha sorte
Revelando uma casa vazia
Era a gota dessa água
A paz sem alegria
A vida sem transtorno
Morte sem agonia
Tristeza sem pecado
Limpeza e mialgia
Toda ordem do universo
Bagunçando a noite e o dia
Era sol que me brotava
Da sacada eu assistia
O horizonte e o impossível
A incerteza da harmonia
Como o olhar atravessado
Oblíquo e cerrado
Dissimulado...
De uma cigana adivinha
É como ter em plena noite
O céu mais claro que o dia

sábado, 19 de setembro de 2015

Fracos Corruptos


O poder próprio não corrompe, revela aquilo que se é. O poder possibilita que você combata o poder do outro que lhe acomete, tentando lhe alterar, lhe corromper. Sem poderes que superem as forças austeras, ou mesmo em sua total falta – no limite da sobrevivência - somos obrigados a nos deformar, manejar ou se adaptar à influencia das forças externas gerando, aí sim, uma corrupção de quem se é. Se antes, sendo detentores de poderes de tal forma que anulem essa influencia e nos deixem próprios para sermos aquilo que realmente somos ou queremos ser, precisamente nesse momento estaremos sendo autênticos e não corruptos. O que passa é que o que menos queremos ver é a nós mesmos. Ficamos horrorizados com aqueles que, em posse de grandes poderes, agem como lhe convém em um banquete do Rei ou num tribunal de justiça. Ambos lugares de conhecida etiqueta - poderes coercivos que ditam certa conduta e rituais – e chamam aquele que por sua vontade e poder não age como manda o script de louco, transgressor. Trata-se de um poder de sair do contexto, se deslocar contra a maré, não se co-rromper  seguindo aquilo que se manda, sendo aquilo que se é, não aquilo que se deve ser. Definitivamente o si mesmo é terrível para nós. O mundo seria uma tragédia se não fossemos corruptos, afinal todo espírito profundo necessita uma máscara.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Na Noite


O frio veste o meu corpo nu largado na calçada enquanto a fina chuva cai. É inverno e o sopro dos ventos anunciam um mal agouro. As nuvens marcham como tropas pelo céu e nesta noite, com certeza, não haverá luar. A carcaça de corpos avulsos largados a noite amontoavam-se nos curtos espaços. Seus ossos gemiam mais do que suas barrigas famintas. Carros e gritos e a chuva e o ritmo pulsante da cinza cidade metropolitana ecoavam uma orquestra digna de Dante. O clarão de um lampejo revelava o raio x daqueles corpos destacados dos paredões cinzas, dos viadutos, dos bancos de praça, dos trapiches nas praias. Toda aquela gente sem dente, identidade e carente. Enquanto a sociedade dorme preocupada e contente, seu produto indigesto vaga sorrateiramente entre os muros da cidade.

A madrugada é pura adrenalina, horário que o corpo estala, o medo se instala e nas sombras da cidade a vida se arrasta miseravelmente, onde há lei do mais forte, lei do vigia, das trocas, das drogas e das orgias. Nas ruas a noite é o momento onde mais se movimentam, onde a existência parece mais solta, eletrizante e violenta. A sobrevivência se impõe diferente do dia, que mesmo sendo formada da mesma agonia, revela a tragédia indigesta do dejeto da periferia, sob holofote do sol a liberdade se torna agonia, a tropa de choque vigia, assim falam grandes homens por trás de suas telas, expondo a mazela humana de quem fracassa e tropeça. Pobres seres de mente severa.

Acordo enjoado, a boca completamente seca, visão embasada e rugindo uma tosse gosmenta. No rosto não trago alegria, mas as marcas do raiar do dia, da sobrevivência da noite, das sombras vividas. O mal-estar não é questão da existência, de onde vim, para onde vou. Nada disso tem importância. Este sim é fato concreto, sentido no corpo, engolido em palavras, real em sua provocação. Meu pai queria que eu fosse ajudante de pedreiro. Estou aqui empilhando pedras. Incendiário. No fogo vemos a nós mesmos, refletidos em cada estalo, consumindo todo o oxigênio no mesmo movimento e sincronia. Eu e o fogo, consumidos com grande euforia. A vida parece passar num segundo e tudo antes que era reflexão, agora é ausência de sentido, oco como o espaço da falta. Álcool nesse fogo e vejo um clarão que me revela e me mata e me mantem vivo nessa vida que parece passar num segundo. Era ilusão. As sombras? Não. Não. As sombras! Alguém me persegue nas sombras! Não. Não. Era só ilusão.

A fome me abala, a fome do corpo, a fome da alma, a fome de todas as fomes do mundo. Correndo consigo um trocado e trocando consigo um bocado. Minha mãe sempre disse para separar o feijão das pedras. Talvez o único rosto que eu me lembre. Tomo um sacode, coisa feia e violência, a política desce rasgando, apartando quem é de quem nunca foi, daqueles que não deveriam ser. E nesse ser ou não ser, A canela há de sofrer. A dor passa. A humilhação fica. A cicatriz é para toda vida. Pragas ao vento, cria-se um delírio, forma-se um lamento. Chuva... A cidade chora ao toque do sino da igreja. A praça fica deserta. Finalmente a noite.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Teorema Textual



Todo texto começa entre um trilho vazio. Pode-se ter muitos motivos para começar, mas é na imensidão deste caminho constante, com linhas ou sem linhas, que percorremos toda superfície do que será grafado. Ao texto vale tão menos as inscrições feitas que o sentido do que é transmitido.

A tinta, o grafite, o papel, a pedra, os dados, tudo isso pode variar de toda forma, o que resta e forma a sua essência é o sentido, a transmissão do que se traduz, o modo como o texto, independente da forma como se apresente, dialoga com aquele que percebe em sua leitura a magia, no sentido de encanto ou assombro, uma energia tenaz, eletrizante, do encontro entre ideias que se percebem e se reconhecem em pura complementação.

Iguais em sua diferença, pois trilham o mesmo caminho, comungam em ritmo, produzem a mesma fumaça de sentido durante o estalo do entendimento. Um texto que começou em um vazio, numa página em branco, que contemporaneamente trata-se do mesmo vazio de outrora, mas agora com um traço vertical que pisca virtualmente traduzindo a mensagem: Escreva, você pode escrever, tudo está funcionando, agora é com você, escreva, escreva...

E aqui estamos no mundo, escrevendo-o, deixando marcas e sendo marcados pelo texto do outro. Algumas vezes desejamos mesmo ter continuados em página branca, zeraríamos o nosso feed de notícias, fazendo do vazio um gozo de nada escrever, de nada ler, de não se escrever ou ser escrito. O mal-estar está depois da primeira linha, no primeiro verso, na entrelinha do que já começou, neste texto que não termina, na ideia que não chegou.

Muda-se a história de um texto quantas vezes se imaginar, misturam-se fatos com fantasias, mudam-se as palavras, frases, enredos e dramas, tornam-se crônicas, diálogos e solilóquios, mas há sempre o risco de que se perca a coerência, onde as partes não se reconheçam mais como parte de um mesmo texto, como retalhos de ideias pensadas e inconclusas. Além do grande temor de se perder a clareza, sem se saber o que é mesmo que se está dizendo e qual via tomar rumo a uma conclusão satisfatória.

Bem verdade. Hoje quem de nós não se sentiu alguma vez assim, como um texto incoerente, fragmentado, onde o capitulo cinco, recém escrito, não reconhece aquelas personagens que povoavam o capitulo dois, e para espanto de geral, nem mesmo a personagem principal se reconhece diante de tal atuação, quando se torna especta(dor) do teatro da sua vida, vislumbrando que esse capítulo de hoje vez e outra se repete.

Então, percebe-se a incoerência textual e vive-se o drama inconcluso de que este texto não faz mais sentido, que não pode mais encantar um bom leitor, que as pausas são acompanhadas por longos e penosos suspiros... Para um texto que ficará no acervo da biblioteca nacional, nas ultimas estantes, nos pontos mais altos, entregue à poeira do tempo, com o seu tema eremita, sem de fato seguir o seu intento de comunicar e ser, no mínimo, lido, esta incoerência textual pouco importa, mas aquele que se pretende lançar nos feeds de notícias, que serão telegrafados na leitura dos outros que, por sua vez, os escreverão como foram inscritos, necessitam tanto da coerência, ajustam-se tanto ao contexto padrão da comunicação, que acabam por não dizer nada mais que o ordinário.

Oficializam-se. Apagam as suas descontinuidades do perfil a fim de serem entendidos. Quando não, adotam para si o texto alheio e identificam-se através de uma narrativa alteregoica introjetada e compartilhada, pois não acreditam que seu selfie textual possam-lhes contemplar e representar enquanto tais. Não sapere aude a si mesmos. Preenchem este vazio estrutural da página em branco com conteúdos prontos, recortados e colados quase na mesma forma do vazio que os comporta. A cola desse retalho dirá sobre sua permanência.

Alguns são textos sem corpos, virtuais, fakes em um mundo em que corpos e textos andam tão desencontrados. Outros escrevem-se nos próprios corpos e com isso juram não se perder nos próprios enredos. E a questão continua para todos: Onde esta história vai nos levar? Devemos escreve-la? O imperativo é constante… Seja no desejo ou no dever. Seremos apenas corpos que respiram nas pausas do mundo? Alguém contará essa história.

sábado, 11 de julho de 2015

Infinitivo


Quero-me dentro de ti
E nada pensar
Estar fora mim
Ao te alcançar
Viajar na fronteira sem fim
E em ti me encontrar
Além das tuas curvas poder
Querer me afogar
Ter razões para viver
Te ver e gostar
Sem fazer por fazer
Ou falar por falar
Revelar mistérios noturnos
E poder conversar
Explorar o universo
Os continentes
E o profundo do mar
Conhecer da tua história à estrutura celular
Ancorar no teu corpo
Escalar o teu peito
E poder voar
Sem medo de cair e desintegrar
Inventar o teletransporte
E num só espaço nos condensar
Guardar teu cheiro num pote
E nos ares lançar
Morrer de saudades
E contigo matar

terça-feira, 30 de junho de 2015

Primeiro Estranha, Depois Entranha


Relação é assim
Primeiro estranha, depois entranha
Entranha e estranha
É massa de bolo
Jogam-se os elementos
Sem qualquer combinação
Molham-se uns aos outros
Sofrendo dissolução
Se preservam e se misturam
Até o ponto de fusão
Atritam-se lentamente
Até ganhar consistência e condensação
Untão-se para entrar em ebulição
Ressecam-se de todos os fluidos
Sublimados em temperatura e pressão
É consumada a preparação
Já não são mais os mesmos
Aqueles elementos de então
Com o prato pronto
Degustam-se na nova criação
Salivam-se a cada pedaço
Mastigam-se pelas bordas
Preenchendo as barrigas
Dessa nova relação

quarta-feira, 18 de março de 2015

Terra à Vista!


Rego todo dia,
Mas não arrego dessa agonia,
De te ver contrariada,
Sem saber se é noite ou dia.
Ver você desajeitada,
Sem saber se chora ou da risada,
Dessa minha louca fantasia,
De andar na corda bamba,
No balanço desse samba,
Que ressoa disritmia.
E aquilo vai nascendo,
Entre a calma e o tormento,
De ter ou não o vento,
Pra que possa nos guiar.
A tempestade virá!
Raios, ventos, chuvas
E uma onda pitoresca tentará nos afundar.
Raiou o dia.
Fim dessa agonia,
Tempo calmo,
Céu aberto,
Só há pássaros a cantar.
Terra à vista e um alívio dentro do peito,
Que nos deixa assim sem jeito,
Sem forças para remar.
Onde está o vento?
Que calma nesse mar!
Sem um tempo turbulento
Fica impossível na praia chegar.
Vamos juntos enfrentar essa tortura
De querer a calma pura e a tormenta a navegar.
Brota da semente da esperança,
Que depois de tanta dança,
Mais fortes vamos ficar.
Além do mar e das estrelas,
Quantas aventuras,
Alegrias e tristezas,
É a fórmula da vida,
Aprendemos a remar e a regar,
Sem dar fim nessa agonia,
Que vem de dentro do peito e nos faz gritar:
Terra à vista! Podemos sonhar!

quarta-feira, 11 de março de 2015

Pobre Realidade


Na vida,
A cautela me espera,
Espreitando da janela cada passo não pensado e ensaiado para ela.
Mas a morte,
Rica em sorte,
Não espera a primavera,
Paga o preço sem miséria pra que eu possa me arriscar.
Cada fôlego emprestado,
Cada juros não contado,
Tende sempre a ser cobrado pela vida tão mesquinha,
Não descansa a me cobrar por sonhar sem planejar.
Oh, morte!
Parcela a minha dívida,
Paga as contas com a vida,
Pra que eu possa me lançar sem pensar no amanhã.
E nessa vida que me cobra cada gota,
Cada choque.
Ah, realidade!
Não me enche de vaidade,
Pois entre a vida e a morte só se paga com a sorte.
Sem crédito ou cartão,
A morte a paga à vista.
E a vida sai sorrindo,
Contente de verdade,
Contando a dedos curtos cada nota de vaidade,
Desejando com sorriso parcelar a realidade.
Pobre vida,
Mesquinha,
Miséria vivida à prestação,
Com crédito especial e faturamento de cartão.
E a morte, de fato, despreocupada,
Hoje não tem tudo,
Mas amanhã sonha em não ter nada.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A Noite e o Mar


Mistérios não irão faltar
Neste conto ao luar
No fundo o balanço das ondas
No peito o suspiro do mar
Calmo e sereno
Como as sombras desta noite
Brilhante como as estrelas no céu
Escuro como o fundo do mar
Quente como um sopro solar
Nas pedras, nas grutas
Um desejo no ar
Explode adrenalina
Aventura traquina
Sem pausa, mas com hora para acabar
Realidade fica à espreita
A natureza se deleita
Com tamanha ousadia
Deuses e Deusas
Caboclos e Orixás
Contemplam tal fantasia
Tocam-se na mesma harmonia
Delícia de sinfonia da noite!
Regada à suor, fetiche e energia
De uma cena sempre prestes a acabar
Perguntem às conchas e às pedras
Procurem no mar!
No olhar das divindades
Na natureza ao farfalhar
Que intimida com barulho
Mas não faz parar
O fervor daquele ato
No limite da tensão
Explode como ondas
Delira a sensação
Precipitam-se as cortinas
Sombras divinas
Encerrando o espetáculo
Contemplado em ato
Nesta arriscada experimentação.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Mundo Felino


Leoa...
Forjada no novo século
Cansada de ser objeto
Vai para caça
Sem pirraça
Na raça!
Fracasso ou sucesso
Assume seus desejos
Enfrenta as selvas da solidão
Ama sem pudor
Não teme a competição
Fica louca de paixão
Traz a caça no fim da tarde
Diana, amazona, filha da liberdade
Em suas garras a certeza
Do seu poder
Da sua beleza
Em sua artimanha para conquistar
O fulgor do seu olhar
Tenso e intenso
Corajosa ao encarar
Preparando um novo pulo
É sedutora ao intimidar
E vendo assim elas
Diferentes daquelas
Cadelas donzelas
Que só entram no cio
Nas primeiras semanas da primavera
Para que um pobre animalzinho
Latindo ilusões
Dê, finalmente, conta delas
Chega desse mundo cão!
Por decreto expresso
Pelo rei da selva
O leão...
O mundo agora é felino
Desde então.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Deus no Divã


No início era a ideia. Não sabia muito bem como fazer. Havia criado um universo, suas leis e mistérios, como um engenheiro criando um parque de diversões. Lembrou de tudo. O tempo, o espaço, a matéria, a gravidade e a sua mais brilhante invenção: a luz. Trabalhou diante de cálculos por vasto tempo. Traçou rotas, definiu velocidades, acelerações, multi relações Inter causais que geravam conflitos a tudo que ele próprio havia criado. Construiu o feixe de luz em uma velocidade constante, com fartas propriedades, mas que quando esbarrava na matéria, abundante no universo, tendia a desacelerar e refletir para a sua origem, obstruindo então o fluxo da informação. Como podia transmitir informação entre os processos no tecido espaço-tempo se havia empecilhos necessariamente construídos a propósito da criação? Aprimorou a luz que agora sofria uma desaceleração curvando-se na borda da densa matéria e assim prosseguindo em sua missão. Quantos planetas perdidos por calcular mal a distância de onde colocar um buraco negro.

Mesmo com tanta dificuldade, ainda assim era fácil construir como engenheiro. Trabalhava todo tempo calado, abstrato no centro de tanta realidade em construção. Do geral ao específico, em cada detalhe, a cada estrela devidamente localizada, desenhando cuidadosamente as incandescentes vias lácteas. Tudo dependia apenas de si e sua criatividade. Finalmente, chegou o momento de sua mais desafiante criação. Preparou algumas matérias que apresentavam boa localização para o seu intento, modelou-as para que melhor ocupassem a área e a rota que seguiriam. Arrumou outros planetas bem localizados formando órbitas em torno de certas estrelas. Tudo muito bem sincronizado. Seriam naqueles laboratórios ainda disformes e incandescentes e repletos de energia que a vida seria testada. Se antes trabalhará como físico, engenheiro, mestre de obras e peão, agora era como um químico, misturando elementos, medindo densidades atmosféricas, pressão, gravidade, rotação e campo magnético. Em alguns momentos, esperou tal qual um cozinheiro, esperando que as batatas amoleçam na panela.

O que pôr no caldeirão? Com o resfriamento de todo processo, pôde construir um projeto, modelando o terreno, dando o seu toque artístico, como sempre o fazia. Não bastava toda aquela obra faraônica ser funcional, necessária... Precisava, antes de tudo, ser bela! Estava animado e sem entender bem o porquê, agora trabalhava conversando com o seu experimento, com sua criação, mesmo não obtendo resposta clara e diferente do que a sua própria imaginação o respondia. Um dia, em um dos laboratórios que ainda respondiam ao projetado, fez uma certa combinação, meio que por acaso e obteve uma enorme explosão! Uma hecatombe de grandes proporções alterará sensivelmente todos os avanços até ali alcançados. Toda matéria parecia reagir de forma imprevisível, estando e não estando nos lugares programados. Os elétrons moviam-se aleatoriamente e a gravidade reuniu as moléculas presentes formando uma enorme tempestade. Por alguns milhares de anos ele acreditou ter perdido aquele laboratório. Cinza e branco girando violentamente no universo. Partiu para outros centros de pesquisa, mas não obteve sucesso que o animasse.

Um dia, em uma fria noite, deitado na curva de uma lua pendurada em saturno, distraído com seus pensamentos, elaborando seus fracassos, viu flash de luz vindo de algum lugar, algo inesperado, fora das rotas previstas. O laboratório Alfa 05, o que estava interditado, estava soltando flash de luz. Raios rasgavam o céu acinzentado do planeta, luz criada pela própria criação, até aquele momento inexistentes naquele universo, mas seguindo os mesmos princípios. Como pode? Que tipo de fenômenos acontecem? Por um instante teve medo e decidiu abortar a experiência. E se aquilo gerasse energia e destruísse toda a criação? Mas antes de uma decisão daquele porte, decidiu investigar o que acontecia. Chegou na fronteira de Alfa 05 e percebeu que não poderia entrar. Ele girava muito rápido, o que distorcia o tecido espaço-tempo, criando um véu protetor. Em condições normais bastaria seguir o protocolo e como que por um milagre, poderia com algum esforço reverter aquela situação. Entretanto aquela era a única coisa existente no universo que estava fora do seu controle.

Construiu então um grande cometa. Calculou a rota por um buraco de minhoca de tal distância que o projétil pegaria impulso por um ângulo em curva descendente, ganharia aceleração em uma razão exponencial, rompendo assim a atmosfera hostil de Alfa 05. As ondas e o impacto, pelos seus cálculos, atritariam em sentido oposto à rotação, desacelerando assim o furioso planeta. Finalmente, uma manobra que gerou sucesso. Com isso, entrou no laboratório e percebeu que muito havia se modificado, porém haviam mares em sua superfície, uma sopa de muitos elementos. O céu era uma verdadeira tormenta, cuspindo raios que varriam as montanhas que se formaram e os mares que moviam-se agitados. Decidiu, então, examinar com mais precisão todo aquele caldo que precipitava naquele céu raivoso. Na poça de toda aquela lágrima pôde notar algo em acontecimento. Ao que parece, toda aquela mistura em reação, alimentadas pela energia daqueles raios gerados pelo magnetismo pulsante de Alfa 05 havia gerado uma partícula e uma onda energética que se reuniam numa única substância que, diferente de toda criação que foi possível até agora, percebia e alterava sua própria rota.

Ficou fascinado por um instante e aterrorizado em outro. Como que por um salto, teve um insight: Seria aquele o princípio da vida? Se sim, como descobriria a fórmula, já que foram justamente as consequências das suas ações e não os seus planejamentos que, no fim, determinaram os rumos do processo de criação em desenvolvimento? Na verdade, não importava. Há tempos não encontrava um algo tão interessante para se debruçar. Um movimento que, apesar de previsível, era totalmente inesperado. Não sabia como proceder as pesquisas, pois nada daquilo que até agora estava construindo e estudando ajudava a compreender aquele fenômeno emergente. Refletiu por algum tempo e decidiu então não controlar a situação e não explicar as relações. Não controlava as variáveis além do que a sua própria presença já controlava. Decidiu apenas observar e descrever. Queria entender por que aqueles seres decidiam as suas rotas, para que se moviam, e como faziam isso. Percebia que quando dois corpos daquela qualidade estavam próximos a se encontrar, o choque ou o desvio não estavam previstos, apenas poderia traçar as múltiplas probabilidades.

Um dia notou um fato inédito. Dois seres muito atraídos, em rota provável de colisão, não se chocaram, mas tão pouco se desviaram. Os corpos se fundiram. Matéria dentro da matéria. Uma troca intensa de energia. A troco de que se perderiam? Indagou ele maravilhado com a cena. Após o encontro se separaram, mas agora não eram apenas dois, eram três. E por uma lógica que não conseguia entender, aquele estranho comportamento que antes não percebera em suas observações, agora acontecia a maioria dos seres. Assim, percebeu um fluxo de transformação. A cada reflexão, os seres estavam mais diferentes, múltiplos, dotados de diferentes formas e funções. Seus contatos com tudo aquilo que aparentemente excedia as fronteiras do seu campo magnético de constituição era mediado hora por decisões, hora não. Ralavam-se mutuamente nos bordos da própria existência, esgueirando-se nas curvas da sobrevivência, modelados por um ambiente hostil e cuidadoso.

Rapidamente ele notou que não poderia dar conta de todos aqueles fatos, que aceleravam e desaceleravam as suas transformações dependendo do tipo de inter-relações que se estabeleciam. O que sabia até então tornara-se obsoleto em questão de segundos e altamente necessário horas mais tarde. Há tempos não preocupava-se em arrumar o universo, ajustar as rotas, limpar os buracos negros. Vivia imerso naquele laboratório, intrigado com toda aquela minúscula experiência em plena atividade. Aquilo foi tomando o planeta que agora possuía uma atmosfera limpa e transparente, uma atividade própria, uma dinâmica de existência conscienciosamente intencionada. Não queria explicar, mas estas flutuavam entre as linhas das suas descrições como ciclos intermináveis de auto gestação. Decidiu sentar na lua para ter uma visão mais geral do movimento. Via que agora eram seres muito variados, movidos por uniões e separações, amor e ódio. Cuidavam-se ao ponto que devoravam-se como numa dança explosiva onde as tensões dos corpos geram movimentos únicos e coordenados.

Após o fim da tempestade e alguns períodos seguintes, via-a do alto como uma pequena esfera, geoide, que brilhava do azul ao verde que propagava-se a todo canto do universo. Mas como um detalhista, ele não se deixava admirar pelos mares e rios formados, mas pelas rochas e montanhas, o opaco marrom que pairava no cenário de certa época o fez rebatizar aquele laboratório de Terra. Sua bruta esmeralda espacial encrustada. Era naquele solo que sua atenção se dirigia, apesar de muitas coisas acontecerem nas águas. Um dia, percebeu grupos de seres que pareciam partilhar algumas das suas próprias características. Seres que criavam. Começaram muito oprimidos. Sobrevivendo em suas minúsculas e insignificantes existências, mas pareciam construir algo que os outros seres não pareciam possuir. Sabiam-se de si naquele experimento. Previam acontecimentos e traçavam rotas. Como pode uma criação recriar o criador?

Então, observando um grupo desses seres interessantes, notou um conflito em que as criações de certo ser, voltaram-se contra o seu criador, numa declarada ânsia pelos poderes e privilégios daquele que os criara. Pôs-se a pensar em como podia o criador não ter ciência do que conterá na criação, uma vez que foi dele que se concebeu a criação. Apenas uma explicação lhe ocorria na sua reflexão, a hipótese do criador não se conhecer tão bem a ponto de projetar uma criação da qual não tenha controle, depositando nesta a parte daquilo que não conhece sobre si. Afinal, partia do princípio da imagem e semelhança. Foi exatamente o que aconteceu com ele, com Alfa 05... Com a Terra.

Estava em êxtase! Uma conclusão que lhe aproximava de um caminho, de uma busca há um tempo ignorada. Como toda aquela história havia acontecido? Qual era o mistério da criação que a tornava imprevisível, diferente na vontade do seu criador? Sabendo essa fórmula ele poderia descobrir onde errou, porque acertou e como construir um processo protocolado, sistematizado, com ciência das causas e dos efeitos. Estava a um passo de desvendar aquele fenômeno que crescia desordenadamente. Mas por onde começar...? Estalou os dedos subitamente. De todos os lugares do universo, este era o mais óbvio e o mais improvável de todos. Para descobrir todo processo da criação, ele teria que mergulhar em si mesmo, desvendando a sua própria criação.

Mas aquilo somente apontava um caminho e não um meio para tal. De certo, não poderia ser o objeto da sua pesquisa e ao mesmo tempo o seu avaliador, afinal, não poderia simplesmente confiar em si, assim como não confiava nos outros objetos do universo até atingirem rotas constantes.  Pensou numa possibilidade tola. De alguma forma, se identificava com aqueles seres desafiantes que, assim como ele próprio, sabiam-se de si. Cogitou por um momento em recrutar um desses seres para que ouvisse a sua história. Iniciou os experimentos, mas sem sucesso. A verdade é que tal contato entre criador e criatura gerou muitos acontecimentos que envolveram toda a Terra por vasto período. Aqueles sapiens não podiam ouvir sinceramente toda aquela história sem enlouquecer, criar suas fantasias e achar que era deles que se estava falando. Não era o que ele dizia, mas como entendiam esses tais seres do que ouviam.

Decidiu romper o tecido espaço-tempo para uma contemplação longitudinal. Avançou muitos períodos e viu civilizações serem erguidas e destruídas sucessivamente. Até que um dia... Abriu a minha porta, entrou, deitou no divã e ficou olhando para o alto. Eu já havia encontrado muitas atitudes bizarras nesse tempo de profissão, não seria aquilo que me surpreenderia. Pela atitude e postura parecia saber o que buscava ali. Disse-lhe:

- Fale o que vier a cabeça, na ordem que desejar. Levantei e fechei a porta que ele mesmo deixara aberta.

Ele me parecia familiar. Uma estranha sensação de que o conhecia, mas não sabia de onde. A forma como se vestia parecia banal, mas via uma coisa no seu olhar que arrepiava a espinha. A profundidade de como mirava o que estava a sua frente dava a impressão de que ele não estava nesse planeta. Cerca de cinco minutos de silêncio, começou a falar:

- Bem... Para mim, começar não é o problema. Mudou as expressões faciais como que acordado por um lampejo. Seu rosto passou de preocupação, com as suas sobrancelhas retorcidas revelando ondas de rugas finamente desenhadas, para uma vergonha aparente. O sangue apresentou-se em seu rosto e desviou o olhar de si mesmo, de seus próprios pensamentos. Disse num rompante:

- É isso! Como não pensei nisso!? É o começo... A origem. Como saber a origem da criação e de todo esse processo se... Fez uma longa pausa abrindo e revelando toda eletricidade daqueles globos oculares. -... Eu não conheço minha origem! Disse levantando-se de súbito. Confesso que não estava entendendo muita coisa e em um momento censurei a ação de escrever no canto de um bloco de notas: “psicose”.

Ele parecia meio perdido. Chegou a uma conclusão sobre si em poucas palavras e estava claro que precisava tempo para elaborar. Explorar aquilo agora, diziam minhas experiências, talvez não produzisse muito efeito, então decidi fazer o corte. Esperei alguns minutos para dar lugar ao silêncio. Não sabendo exatamente o porquê, decidi dizer-lhe alguma coisa antes, algo que lhe oferecesse algum suporte – geralmente não fazia aquilo:

- A origem... dilema de toda a humanidade. Ele virou a cabeça para mim e apenas naquele momento pareceu que realmente havia me percebido naquele lugar. Pensei que havia cometido um equívoco, mas os seus olhos tomaram um ar mais sereno, deitou-se novamente e começou a falar.