Todo texto
começa entre um trilho vazio. Pode-se ter muitos motivos para começar, mas é na
imensidão deste caminho constante, com linhas ou sem linhas, que percorremos
toda superfície do que será grafado. Ao texto vale tão menos as inscrições
feitas que o sentido do que é transmitido.
A tinta, o
grafite, o papel, a pedra, os dados, tudo isso pode variar de toda forma, o que
resta e forma a sua essência é o sentido, a transmissão do que se traduz, o
modo como o texto, independente da forma como se apresente, dialoga com aquele
que percebe em sua leitura a magia, no sentido de encanto ou assombro, uma energia
tenaz, eletrizante, do encontro entre ideias que se percebem e se reconhecem em
pura complementação.
Iguais em sua
diferença, pois trilham o mesmo caminho, comungam em ritmo, produzem a mesma
fumaça de sentido durante o estalo do entendimento. Um texto que começou em um
vazio, numa página em branco, que contemporaneamente trata-se do mesmo vazio de
outrora, mas agora com um traço vertical que pisca virtualmente traduzindo a
mensagem: Escreva, você pode escrever, tudo está funcionando, agora é com você,
escreva, escreva...
E aqui estamos
no mundo, escrevendo-o, deixando marcas e sendo marcados pelo texto do outro.
Algumas vezes desejamos mesmo ter continuados em página branca, zeraríamos o
nosso feed de notícias, fazendo do vazio um gozo de nada escrever, de nada ler,
de não se escrever ou ser escrito. O mal-estar está depois da primeira linha, no primeiro verso, na entrelinha do que já começou, neste texto que não
termina, na ideia que não chegou.
Muda-se a
história de um texto quantas vezes se imaginar, misturam-se fatos com
fantasias, mudam-se as palavras, frases, enredos e dramas, tornam-se crônicas,
diálogos e solilóquios, mas há sempre o risco de que se perca a coerência, onde
as partes não se reconheçam mais como parte de um mesmo texto, como retalhos de
ideias pensadas e inconclusas. Além do grande temor de se perder a clareza, sem
se saber o que é mesmo que se está dizendo e qual via tomar rumo a uma
conclusão satisfatória.
Bem verdade.
Hoje quem de nós não se sentiu alguma vez assim, como um texto incoerente,
fragmentado, onde o capitulo cinco, recém escrito, não reconhece aquelas
personagens que povoavam o capitulo dois, e para espanto de geral, nem mesmo a
personagem principal se reconhece diante de tal atuação, quando se torna
especta(dor) do teatro da sua vida, vislumbrando que esse capítulo de hoje vez e
outra se repete.
Então,
percebe-se a incoerência textual e vive-se o drama inconcluso de que este texto
não faz mais sentido, que não pode mais encantar um bom leitor, que as pausas
são acompanhadas por longos e penosos suspiros... Para um texto que ficará no
acervo da biblioteca nacional, nas ultimas estantes, nos pontos mais altos, entregue à poeira do tempo, com
o seu tema eremita, sem de fato seguir o seu intento de comunicar e ser, no
mínimo, lido, esta incoerência textual pouco importa, mas aquele que se
pretende lançar nos feeds de notícias, que serão telegrafados na leitura dos outros
que, por sua vez, os escreverão como foram inscritos, necessitam tanto da
coerência, ajustam-se tanto ao contexto padrão da comunicação, que acabam por não dizer nada mais que o
ordinário.
Oficializam-se.
Apagam as suas descontinuidades do perfil a fim de serem entendidos. Quando
não, adotam para si o texto alheio e identificam-se através de uma narrativa
alteregoica introjetada e compartilhada, pois não acreditam que seu selfie
textual possam-lhes contemplar e representar enquanto tais. Não sapere aude a si mesmos. Preenchem este vazio
estrutural da página em branco com conteúdos prontos, recortados e colados
quase na mesma forma do vazio que os comporta. A cola desse retalho dirá
sobre sua permanência.
Alguns são
textos sem corpos, virtuais, fakes em um mundo em que corpos e textos andam tão
desencontrados. Outros escrevem-se nos próprios corpos e com isso juram não se
perder nos próprios enredos. E a questão continua para todos: Onde esta
história vai nos levar? Devemos escreve-la? O imperativo é constante… Seja no desejo ou no dever. Seremos apenas corpos que respiram nas pausas do mundo?
Alguém contará essa história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário