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quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Epopéia de Bruno - Livro um

Exatamente as vinte e três horas e quarenta e cinco minutos, Bruno olha para o seu relógio digital de pulso. Com passos largos e apressados, ele anda com a sua mochila de renda marrom clara encardida. As ruas de paralelepípedos mal polidos vão se desenrolando diante da noite escura de céu aveludado com pontos brilhantes, hoje sem nuvem alguma. Bruno continua a sua caminhada pela noite modorrenta e silenciosa, passando pelas ruas até chegar próximo ao seu destino. A rua que leva a praça é ladeada por um muro branco encardido e fétido pela urina de vários jovens bêbados noturnos que encontram ali o seu eterno mictório. O grande muro faz proteção a grande Igreja Adventista do sétimo dia. Logo em frente está à praça. Cercada de casas, contém um nível mais baixo, no centro, onde há um cercado circular com plantas e algum lixo, já nível superior é feito de pedras pretas sem nenhuma métrica, entre elas perpassa um contorno tênue, porém totalmente sem padrão. Enfeitada por antigas palmeiras e outros arbustos baixos. Hoje ela está deserta, silenciosa, esperando todo tipo de pessoa que queira sentar e descansar, conversar ou apenas esperar por outras pessoas. Mas não são essas as intenções de Bruno essa noite, não essa noite. Ele olha para o relógio, vinte e três e cinqüenta, sabe que não pode demorar, o tempo está passando. Abrindo sua mochila, Bruno retira alguns itens conseguidos com muito esforço, um saquinho contendo um pouco da areia do fundo da toca da sereia, formigas saúvas do Humaitá e uma lasca de giz de uma imagem da Igreja do Bonfim, item mais difícil de conseguir. Bruno odeia entrar em Igrejas.
Preparando rapidamente o ritual, ele faz os riscos que aprendeu no livro que um colega cigano lhe deu, riscos diabólicos, demoníacos, algo como uns círculos e pentagramas. Tinha que ser rápido, o tempo não parava de passar. Despejou a areia no centro e colocou as formigas saúvas em volta do monte de areia. Olhando para ver se não havia esquecido nada, Bruno pega o seu livro de feitiçarias, abre na página desejada e olha para o seu relógio, vinte e três e cinqüenta e nove.
Ele começa o seu ritual lendo a passagem contida no livro:
- Seres que povoam o submundo, criatura satanás, há milênios é dada à chance a um mortal de obter um desejo demoníaco de poder e sangue, ousam minhas palavras e APAREÇAM!!!
Por alguns segundo Bruno fica olhando ao redor esperando que alguma coisa aconteça, o céu continua limpo e estrelado e é justamente olhando para cima que os seus olhos posam no grande círculo que fica acima dos portões da Igreja Adventista. O círculo ganha ponteiros e torna-se um relógio, um grande relógio marcando meia-noite.
Primeiro o céu começa a ficar nublado, tão rapidamente que Bruno não sabe como aquilo aconteceu, nuvens de tempestade avermelhada como sangue. Bruno sente-se angustiado e leva as mãos aos ouvidos para tentar abafar inutilmente as doze badaladas que o relógio projeta. Ele nunca havia ouvido ou sentido nada parecido. Não entende como as pessoas ainda não saíram das suas casas gritando desesperadas pela chegada do apocalipse.
Após as doze badaladas, surge uma voz vinda da Igreja, uma voz tri sonante e ecoante:
- É chegada a hora do mortal que ousou fazer o ritual diabólico ter o que deseja. Fale mortal, qual o seu desejo?
Bruno ainda está assustado, apavorado, mas com algum esforço decide continuar o que começou afinal ele havia chegado até ali, não era hora de voltar atrás.
-Oh senhor das profundezas, grande mal que toda luz apaga, tendo feito o ritual com minhas próprias mãos desejo me tornar o maior mestre vampiro do mundo!
Por alguns segundos apenas o silêncio é perceptível na praça do adventista. Os moradores em volta nada sabem do que acontece e por fim, como um tremor, a voz torna a se pronunciar:
- Seu desejo será realizado mortal, mas primeiro deverá cumprir três trabalhos para três entidades que iram aparecer para você aqui neste local. Como guia você terá o grande corvo do tártaro do inferno. Ele convocará as entidades. Uma a uma.
A voz cessa. O céu fica limpo e negro como antes. Os ventos param e Bruno encontra-se parado, absorvendo toda aquela situação.
Bruno é alto, em média tem por volta de um metro e noventa. Magro, porém com músculos meio definidos, cabelos e olhos escuros, branco com uma grande tatuagem que toma metade do seu tronco, tentáculos negros. Usa camisa preta e calça preta desbotada, coturno velho e gasto.
Ele recolhe o material que usou no ritual e fica esperando que algo mais aconteça. Das plantas no meio da praça surge um ser negro de olhos vermelhos. Bruno se assusta, mas tenta manter a coragem e o pé firme no chão.
Saindo das sobras, o ser vai tomando forma e Bruno ver que é uma galinha preta que saltita em sua direção.
- Uma galinha preta?
- Êpa! Olha o respeito moleque, eu sou o grande corvo do tártaro do inferno...
- Corvo? Eu to vendo uma galinha preta de macumba. Odeio macumba, não tem nada haver com o diabo. Rapaz, eu não acredito nisso.
- Cala a boca moleque! Tudo bem, o corvo não pode vir, ta tratando uns assuntos ai... Tive que vir no lugar dele. Mas bem... Se eu não sou um corvo, você é um frangote, e então? O que pediu? Dominar o mundo, poder eterno?
- Não, que poder eterno o que, eu quero me tornar o maior mestre de vampiro do mundo.
- hahahahahahaahahaha có hahaha có! Ah! Ta legal, só tem doido, vamos terminar com isso logo tudo bem?! Tenho muita coisa pra fazer.
-E ai? Chama as entidades, eu faço tudo que eles pedirem, meu negocio é destruir, meu negocio é destruir, eu sou do cão.
- Ta, ta, ta! To sabendo, só tem maluco.
Com um ruidoso canto o corvo... Quer dizer, a galinha preta convoca a primeira entidade.
Na frente de Bruno aparece uma figura curvada, sentada na outra ponta da praça. Usando um chapéu de couro cru, a barriga saliente, na cintura uma pistola tambor antiga e um facão de cortar coco, barba por fazer e as unhas grossas, grandes, sujas e amareladas.
A galinha preta fala:
- Esse é seu...
Mais é interrompido pelo estranho homem.
- Meu nome é Febronho, não preciso que projeto de ave nenhuma me apresente, ará!
Com passos rápidos, ele avança na direção de Bruno, segura-o pelo pescoço com uma mão e com a outra saca o facão colocando-o perto do olho de Bruno.
- Então você é o cabra que quer o desejo do coisa ruim, né cabra? Responda! Se não arranco um olho num só golpe do meu facão.
Assustado e sentindo o facão cortar de leve o seu rosto, Bruno gagueja:
- Is-so me-smo senhor.
- Lave a boca antes de me chamar de senhor cabra! Como se eu fosse o senhor de um cabra amarelo como você!
Febronho joga Bruno no chão e guarda seu facão. Bruno se levanta apoiado num dos bancos da praça.- Olhe cabra, vamos acabar logo com isso que não me agrada em nada ficar na presença de um cabra frouxo como você e dessa galinha preta dos infernos! Faça o seguinte e só vou lhe dizer uma vez, se tiver que repetir, meto um balaço no meio dos seus olhos e como o seu fígado no almoço! Entendeu cabra da peste?!