As (minhas) quatro fases da vida
Neste ponto, farei um percurso pela minha infância, onde as histórias aqui contadas provem de uma memória familiar, num esforço genealógico de encontrar e inventar meus momentos, costurando alguns destes pontos. Como dizer por que escolhi tais momentos e porque são importantes se todos eles convergiram para formatar quem sou? Sem eles talvez não fosse Eu, e mais que a soma de todos os momentos, sem eles não seria mais do que sou, não seria a minha totalidade. Os momentos aqui relatados estarão em forma de conto, com um narrador que se mistura com a primeira e a terceira pessoa, sendo aquele que conta e contado, típico discurso de quem lança um olhar para o próprio passado e parece não estar falando de si mesmo.
Aprendendo o segredo dos cadarços.
Lembro-me nas memórias de minha mãe do pequeno Ronaldo, em seu estágio cognitivo que, provavelmente, Jean Piaget chamaria de pré-operatório, aos cinco anos de idade. Ronaldo era franzino, um garoto que brincava de respirar fundo e demonstrar os seus bem delineados pares de costelas. Seus grandes olhos verdes fascinavam as tias, as amigas da mãe, as meninas da escolinha, as meninas da rua. Lembro de sua mãe amarrando-lhe os cadarços, todos os dias para ir à escola. Quando levado à escola, uma escolinha chamada Levy Miranda numa rua vizinha. Desesperava-se, agarrando-se a tudo que via. Era um sufoco todo dia. Mas quando chegava à porta da escola, largava a mão da mãe e rapidamente se despedia, não demonstrando qualquer resquício do terror vivido a segundos atrás. Sempre tentava, na hora do recreio, sentado sozinho num banco amarrar os sapatos. Vezes conseguia amarrar, vez não e quase sempre ia para casa com os cadarços desamarrados. Quando chegava em casa, sua mãe reclamava, demonstrando como seu irmão Ricardo, quatro anos mais velho, conseguia. Pronto, lá ia Ricardo demonstrar cheio de orgulhos a habilidade para o irmão. Um dia, Ronaldo recusou-se, ao chegar em casa com os cadarços desamarrados, que a mãe os amarrasse. Decidido, vendo o irmão que destramente amarrava o seu, lançou-se aos complicados nós e voltas de um laço de sapato. Por fim, conseguiu, sendo aplaudido por todos. A história de Ronaldo demonstra o que Vygotsky chamou em seus trabalhos de Zona de Desenvolvimento Proximal, que se trata de um coeficiente entre aquilo que a criança pode fazer sozinho e acompanhado por aqueles mais experientes.
A Zona de Desenvolvimento Proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão, presentemente, em estado embrionário (Vygotsky. 1984).
A morte do Nome-do-Pai.
Quando ele possuía dez anos de experiência de vida e tendo ultrapassado diversas etapas do seu desenvolvimento, o pequeno Ronaldo passaria por um acontecimento familiar que marcaria de maneira muito forte o seu futuro desenvolvimento. Lembro-me que enquanto o seu pai ainda estava em casa, às condutas eram de certa maneira. Havia um medo na expectativa de confrontar as regras paternas por conta de desejos típicos daquela idade, como por exemplo, as constantes saídas com amigos que necessitava fazer. Certa vez o pequeno Ronaldo notou uma transformação nas relações intra-familiares, percebida como propriamente um Evento de Vida. Seu pai dormia agora fora de casa, deixando de estar presente por longos períodos. Tratava-se de fato que o pai envolvia-se com outra mulher, chegando a abandonar a família para viver tais aventuras. O pequeno Ronaldo não sentiu tanto esta falta, ao menos não conscientemente, pois a ausência do pai nas relações familiares o permitiu esgarçar muitas das regras parentais como: sair mais, freqüentar mais livremente o fliperama, chegar em casa em horários nunca imaginados. A mãe, que não demonstrava tanta rigidez com tais aspectos antes da saída do pai, pouco fez para que isso acontecesse, pois estava fortemente envolvida com o próprio sofrimento e angustias que atravessava. Com isso Ronaldo pode acessar estímulos importantes para o seu desenvolvimento que nunca seriam apresentados pelos seus genitores, aspectos que apenas boas amizades poderiam proporcionar e que foram fundamentais para o seu avanço e a construção da sua identidade. Podemos perceber como este Evento de Vida influenciou a vida de Ronaldo de forma não normativa e de como o pai, a partir de então, deixa de ser uma referencia simbólica significativa em grande etapa de sua vida.
Ao experimentar um evento de vida negativo, o indivíduo precisará utilizar seus recursos emocionais, sociais e intelectuais num grau que está relacionado a maior ou menor valorização a isso atribuída. Além da avaliação feita pelo indivíduo, a origem (interna ou externa), biológica, psicológica ou social, o grau de previsibilidade, a duração dos recursos de apoio, e o grau de controle sobre a situação são variáveis que influenciam o quão estressante pode ser o evento (Wathier, 2008).
Descobrindo o gostoso toque da vida.
Certa vez, deveria ter uns oito anos, fuçava o quarto dos pais, que agora era apenas da mãe, na busca por qualquer coisa que pudesse o interessar. Revirava quinquilharias das mais diversas. Olhou no guarda roupas e para a sua surpresa deparou-se com uma pilha de revistas com mulheres nuas nas suas capas. Tal descoberta poderia ser considerada um Evento de Vida, pois tal experiência marcaria toda sua vida. Descobriu partes do corpo humano, nunca vistas, ao menos não tão de perto e em tais ângulos. Começou a sentir contrações estranhas no próprio corpo, erupções que moviam muito mais o seu corpo do que poderia mover. Algo crescente havia surgido naquele interesse pelo pudor explícito em tais páginas desvairadas. Tocou seu corpo e descobriu zonas que lhe proporcionavam igual prazer, ou mais, que certas brincadeiras na rua ou beber água quando estava morrendo de sede. Após aquele dia aquelas revistas foram visitadas muitas vezes e o sonho de obter tais espécimes expostas naquelas folhas coloridas o acompanharam para à vida. Vemos que o pequeno Ronaldo, não tão pequeno assim, pode-se dizer, alcançava o que Sigmund Freud chamaria de fase genital, enquanto se enamorava por aquelas garotas estampadas, na procura de outros objetos de amor fora do círculo familiar.
A zona de erotização é o órgão sexual. Apresenta um objeto sexual e alguma convergência dos impulsos sexuais sobre esse objeto. Assinala o ponto culminante e o declínio do complexo de Édipo pela ameaça de castração. No caso do menino, a fase fálica se caracteriza por um interesse narcísico que ele tem pelo próprio pênis em contraposição à descoberta da ausência de pênis na menina (Garcia-Rosa, 1995).
Parado em nome da lei!
Já sabia bem como fazer. Sempre que chegava do colégio, subia e aguardava impacientemente. Tinha nove anos e todas as delícias da barraca de doces lhe apeteciam muito. Eles não eram caros, mesmo assim torrava o dinheiro que a mãe lhe dava para a hora do recreio. Só que sempre queria mais. Sentado em sua cama esperava a sua irmã mais velha, Carla, sair de casa. Quando ele ouvia as rápidas passadas escada abaixo, conferia se o portão batia, logo estava a adentrar no quarto da irmã. O destino era certo, lançava-se na cesta de roupas sujas da irmã em busca de possíveis trocados nos bolsos das calças. Para a sua alegria sempre encontrava uma moeda ou outra e as suas vermes agradeciam grandemente. Certa vez quando estava no meio da operação, foi surpreendido por um rasgar de porta bem atrás dele. A irmã voltara antes do previsto. Sendo pego naquela situação, encaldeirou-se purpuramente, a boca seca não disfarçava as mordidas que lançava aos lábios, como se estivesse munido por uma raiva de si mesmo. Não havia escapatória, foi pego com a “boca na botija”, estava morto de vergonha.
De um sentimento de autocontrole sem perda de auto-estima resulta um sentimento constante de boa vontade e orgulho; de um sentimento de perda do autocontrole e de supercontrole exterior resulta uma propensão duradoura para a dúvida e a vergonha. (Erikson, 1976)
3 comentários:
Olá! ;) Feliz ano novo adiantado. rs
Espero que em 2011 você consiga o que não conseguiu em 2010, claro, se for um bom menino! hahaha :)
Eu estou bem, quem sabe de melhorar. E vc?
Eu sou de peixes, um signo que lembra muito meu jeito de ser, pensar, agir. Até postei lá um pequeno texto retirado da internet. "Eu sou"
Um, aliás, dois, abraços!!!
Hummm.. Você apareceu. Outro dia lembrei de você, Mrª. goiaba, li um texto seu e com toda empolgação de quem reconhece palavras sendo escolhidas com precisão, fui cheio de caraminholas na cabeça para comentar e puft, não há como fazer comentários em seu blog. Está me parecendo um fantasma, rsrs, no melhor dos sentidos, pois está presente, hoje mesmo, 03:17h, pensei em você e putf, você apareceu aqui, posso te ver, mas não posso me comunicar. Puts, parece que o acaso tem pregado peças na gente, não tem essa impressão? Enfim, espero que veja essa mensagem.
bjss
Ahhh, curiosidade, rs, ainda anda tirando fotos como "aquelas"?
feliz Ano novo pra você também, provavelmente atrasado.
o/
Ahh, de novo, li seu ultimo texto, "provação", sincero e elegante, como alguem que abre, com toda a sede, a embalagem de um biscoito com recheio de goiaba que pula da sua mão de encontro ao chão e com toda postura diz: "eu pegaria e comeria se você não estivesse aqui"
=**
Ri muito desse último trecho da infância do pequeno Ronaldo...
Muito mesmo.
No estado psico-emocional que eu tou, de ressaca e tendo que ir pro trabalho...
Rir ajudou muito!
Postar um comentário